segunda-feira, 17 de novembro de 2014

ISAÍAS MARQUES SOARES - O HOMEM-MIURA (Parabéns, CAMPEÃO!)


Quando o Isaías se meteu ao saltos com as mãos a fazer corninhos em Alvalade, eu acho que já era uma pessoa. Não ainda completa, porque faltava o Helder e a sua evocação papal para o público. Era assim: uma passada larga, tranquila, e as mãos cheias de golos. O Helder fez de papa para a plateia e os adeptos rezaram sob a chuva. Imagem que nem os mais católicos podem alguma vez ter visto em Fátima, porque em Fátima não há golos nem este nível de religiosidade divina.

Na confusão dos mitos sobre remates para o terceiro anel, o Isaías foi passando entre os pingos e quase que é mais um. O Isaías não é, não pode ser, mais um. Aquele toque de bola, a recepção para a frente - hoje pelos intelectuais considerada "orientada" -, o cavalgar pelo meio-campo feito um Tsubasa sem relvado Himalaia, a finta curta e curva, sem circo - só, como os grandes, um bamboleio de anca e olhos enganadores. O Isaías fintava como o Camarón de la Isla cantava: era só ilusão de machismo; na verdade, era um sentimentalão. Punha a chuteira sobre a bola, o dorso de toiro virava primeiro para a esquerda e depois avançava os olhos, os pés e o coração pela direita enquanto o adversário, por despeito, ficava a escrever enormes tratados contra as touradas.




Tenho o Isaías na alma. Levo-o quando lembro um golo no último minuto. A Luz estava desesperada, desesperavam os adeptos, as pessoas já não acreditavam, havia gente descendo as escadas desde o Terceiro Anel, pessoas passando pelo túnel, quando o Isaías marcou o golo do empate contra o Leverkusen. Houve um grande grito orgástico de todo o estádio e a demência dos que perderam aquilo. Não sei, porque não percebo como pode alguém abdicar de um segundo sequer de Benfica no relvado, mas imagino um Pai a tentar explicar ao seu pequeno benfiquista que tinha cometido um erro, enquanto o meu Pai e eu nos levantávamos sobre o estádio, quase flutuando, com aquele golo que, diziam os deuses, haveria de ser a nossa salvação.

Nesses anos, era assim: empatávamos no último minuto e acreditávamos naquela gente. Sabíamos que eles iriam aproveitar aquele golo para um orgulho estrangeiro e dar-nos mais uma eternidade. O Isaías não morre porque foi um homem que era homem e toiro. Tudo o que fazia tinha arte e força; coragem e elegância; vontade e compromisso. Tinha um sinal na cara que de certeza nasceu quando vestiu pela primeira vez a camisola do Benfica. A gente olhava o Isaías e dizia: és dos nossos. E ele respondia sem palavras, correndo pelo campo, não muito mas bem, dando rotas aos passes ou perseguindo, como se a vida dele disso dependesse, os adversários. Era carraça e sombra e fantasma. A bola se não estava nos pés dos que levavam uma águia ao peito tinha de sentir a vergonha e desistir. O Isaías galgava terreno não como um estafeta mas como um prestidigitador: pés e mãos a adivinhar o próximo passo, o próximo passe. Levantava a cabeça como um garboso miura, subia as golas da camisola e ia recolher bolas que estavam perdidas. Dava-as macias e voltava a correr para ir marcar golo.



Sou suspeito: gosto muito do Isaías. Fez-me feliz tantas vezes que ainda hoje levanto um sorriso no meio de um dia qualquer e sinto que parte dele é uma mistura de golos e passes e corridas e afectos que o Isaías me deu. Também aprendi a chorar com o Isaías: choro mais e mais intenso. E ainda hoje sinto que aquele golo em curva pelo chão na lama levantando o pé para as redes é aquilo que eu sou e quero do Benfica.

4 comentários:

Anónimo disse...

Obrigado pelo texto.

Saudações Benfiquistas,

Ricardo Silva

Gus disse...

Fod*_**!!!! Grande Isaías! Ou melhor, Ganda Isaías! O meu ídolo de infância. Os golos com que mais vibrei, no estádio ou tv, foram deste homem. E tenho sempre presentes as palavras de Gabriel Alves, depois de Isaías inaugurar o marcador fora com o União da Madeira,....."só Isaías!"

Benfiquista Tripeiro disse...

Os corninhos, ahah! Já não me lembrava dessa, obrigado por recordares!

O grande Isaías jamais será mais um!

Kiddo! disse...

Nas futeboladas de rua todos queriam ser o Isaías!
Grande homenagem!