sábado, 3 de maio de 2014

O meu Valdo Cândido de Oliveira Filho

 Camisola vermelha comprada numa feira, um "1" e um "0" feitos à mão e cosidos pelo meu Pai nas costas, uns calções brancos, curtos, e umas chuteiras simples. Faltou-me a Afro para ser o Valdo. De resto, estava tudo lá: a indumentária e eu, em imaginação. Quando corria, fazia aquele compasso de espera, fintava uma pinha, deixava-a cair, voltava a rodopiar, levantava a cabeça. Um pinheiro pedia-me a bola, isolado. Fingia que passava, metia para dentro, corria, olhos no chão, olhos na bola, olhos em frente. Peito feito sobre o ar vespertino, a bola chegando-me aos joelhos. Pai, posso ser o Valdo? 

 O carro estava estacionado numa clareira, entre o pinhal. Portas abertas, todas, bagageira para cima, com bolos, pão, vinho, rissóis e panos feitos numa máquina Singer que a minha avó rodava nas mãos e nos pés feita malabarista no escuro em frente a uma parede com fotografias de gente muito velha a preto e branco. Jazem aqui flores e nomes e cães iguais aos que há agora mas a cinzento e há tanto tempo mortos. Quantos cães tem uma vida? 

 Há uma voz que ressoa por entre os ramos. Anunciam golos de tarde desportiva, emissões de Portimão a Coimbra, vão para Braga, voltam a Lisboa, dirigem-se a Leiria, ficam em Chaves. Rudez Thiomir marca golo. E os cestos de verga abanam no gooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooolo de Rudez, golo do Chaves, lance que se iniciou na intermediária, a bola rodou sobre um adversário, avançou pelo miolo, chegou à linha, foi cruzada, um impasse, o mundo todo parado observando o croata, a indecisão, quase remate, remate, bola nas redes. Alguém vem e pergunta: foi golo do Benfica? 

 A minha camisola tem um "1" milimetricamente na diagonal - não se vê a um metro de distância, mas está lá, não foi trabalho de fábrica, houve mão de amador, aquele que ama. Na frente, há pescoço porque há decote em v, o vermelho é um vermelho mais escuro e não se vende no Media Markt, porque o Media Markt não existe e porque há coisas que o Media Markt não pode vender. Mas há um Valdo a correr nos pinheiros. E vários golos porque o golo tanto pode entrar entre árvores como entre pedras - o jogador decide, no calor do momento. A distância entre o Valdo e o carro depende dos gritos que ecoam. Claro que os pés não sabem por que razão avançam para os pastéis de bacalhau quando há grito de golo mas o coração não tem dúvidas: vai à espera do Benfica. É agora? Foi golo do Benfica? 

 E aquele som contínuo, não no "g" que demora pouco, mas no "o" - quantos ós e desesperantes - e toda a gente parada, eu, o meu Pai, as rodas do carro, as folhas, o gesto das febras na grelha, o céu e as nuvens que deixam de construir imagens - tudo parado. É golo, mas de quem? Goooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooolo. E antes do "l" e muito antes do "o" que o continua olhos não no rádio mas uns nos outros, eu olho o meu Pai que me olha a mim que o olho a ele. O "1" cosido nas costas a olhar o "0" cosido nas costas, pedaços de terra saltam e ficam no ar à espera. Diz Benfica, diz Benfica, diz Benfica, o coração aos pulos, diz Benfica, diz Benfica, diz Benfica, as pernas flectidas, joelhos em silêncio, quase dor muita dor, braços à espera, mãos curvas, ouves o som do público? 

 É indefinível, gritam todos e muitos, não sabemos quem nem por quem nem onde. Há som e ruído, imaginamos bandeiras sob o sol, cachecóis no vento, abraços, gente aos gritos, garrafões tombados. Mas é Benfica ou não? E o "oooooooooooooooooooooooooooooooooooo" continua, o homem tem fôlego, não se cala, mantém a surpresa na garganta, a bola junto a uma das rodas do carro, esquecida e adormecida, esperando o movimento. Não há movimento, só um grito que não acaba, e o golo, o golo é de quem? Há uns sons metálicos de assobio enquanto o rádio canta. Ondas de silvos no meio dos óculos da avó que retira pratos e garfos e facas de plástico do interior de um saco. 

O carvão todo junto, negro, colante, uma imagem de um sol sobre a estrada de terra e uma menina que corre, indiferente ao golo, pelos cogumelos e musgo. De quem é o golo? O vestido às rosinhas não sabe, prefere dançar oblíquo sem rota nem bandeira. O golo, que é de alguém, não chama aquela corrida atrás de uma borboleta que faz desenhos no ar e depois desaparece. ... doooooooooooooooooooooooo Beeeeenfiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiica e os meus olhos abraçam os ombros do meu Pai e depois continuam para o espaço atrás dele com os olhos dele para o espaço atrás de mim e os olhos em chama, ombros em chama, a bola é pontapeada contra uma pedra grande que faz ricochete, sobe no ar que o Valdo recebe, com aquele pé de veludo, tenso o tempo suficiente para haver contacto e logo mole, macio, para ela ficar ali aninhada. Os Domingos sabiam tanto a Benfica.

3 comentários:

luis disse...

Pau e Bola na Camisola...
Milimetricamente na diagonal a olhar a bola, que imagino não era redonda;)... tu Camarada Campeão é que a acaricias a redondinha como Glorioso Cândido Filho;)
Fazes cabelos brancos... Brilhantes momentos para um estágio envelhecendo à Benfica.
E porque hoje é Domingo, Vivas ao Glorioso Sport Lisboa !!!

Benfica Todos Tempos

Anti-talibans disse...

Parabéns, falaram de ti neste texto:
"By Mathayus...

«Os « talibans », são os Benfiquistas travestidos de porcos...
Que diariamente enlameiam o nome do clube, difamam e maldizem presidente, dirigentes e treinadores, sem uma única prova ou facto que sustente as afirmações...
Que desconhecem a palavra democracia, respeito pelos resultados eleitorais e... o tempo e momento adequado para discursos políticos ( o tal período pré - eleitoral destinada à campanha dos candidatos reais ).
Que criam focos de tensão e desequilíbrio constante no Benfica e na sua equipa de futebol, dando munições e informações à comunicação social avençada e aos rivais para atacar o clube.
Que esquecem... todos os indicadores desportivos no futebol e modalidades, em Portugal e na Europa que indiciam que Vieira e Jorge Jesus estão a fazer renascer o prestígio do Benfica ( e atenção que bastava ás bestas... fazerem o levantamento de dados desportivos comparativos... entre o total de anos que Vieira está no Benfica/conquistas e... o mesmo número de anos para trás da sua chegada/conquistas ).
Que desde o início de cada campeonato falam em plantel medíocre e agora em fabuloso, que queriam fora do Benfica... Rodrigo, Lima, Luisão, Sílvio, Siqueira, Enzo, Markovic, Fedjsa, etc... e em anos anteriores David Luiz, Ramires, Di Maria, Coentrão, Matic, etc... porque todos eram péssimos e « comichões ».
Que esqueceram o tempo do « saco de caramelos » para pagar aquisições, dos calotes europeus com Poborkys e companhia, dos ordenados em atraso... e da única infraestrutura ser um estádio obsoleto e com custos de manutenção absurdos..
E podia estar aqui dias... a explicar - te... a verdadeira porcaria de gente... que é um Taliban!!!»"

O Sport Lisboa e Benfica não precisa de talibans.

Ricardo disse...

Abraço, BTT :)

Anti-talibans, uma pessoa que escreve essa anormalidade não faz a mínima ideia do que é este clube. É gente doente, frustrada, incapaz de pensar. Infelizmente, o Benfica tem muito desse plâncton.