terça-feira, 3 de março de 2009

A estranha forma das flores

Se ninguém avança, atiro-me eu: não sei o que pensar de Quique Flores. Tanto pode ser um homicida como um voluntário em missão de apoio aos mais carenciados. Não sei. É o ar dele que me confunde, são as suas opções que me desnorteiam. Se, por um lado, vejo nele um bípede capaz de ajudar uma velhinha a quem tenha caído a dentadura no passeio, por outro, e isto é que castiga, dói e faz comichão, há nele qualquer coisa de subversivo e de louco.

Vejamos: será possível conciliar numa mesma matéria de corpo e cérebro um discurso coerente e razoável com a opção, ao longo de uma certa fase do campeonato, de pôr o Binya a titular? Outra: conseguiremos nós, adeptos em busca de sinais tranquilizadores, acreditar num homem que evita meter o Amorim ao centro e, simultaneamente, quando é prejudicado, diz que não fala em arbitragens? Isto é real? Tem sentido? Propaga-se, é contagiante, faz morrer? É que eu não estou habituado a isto. Tudo o que não for um treinador a dizer mal dos árbitros, (desculpem lá, mas...) causa-me urticária aos neurónios. E, portanto, prefiro pensar que ele é mentiroso e falso a achar que estamos perante alguém capaz de, sem merdas, optar por falar em futebol.

E o problema está aqui: eu prefiro mas, como qualquer gajo que se preze, não consigo. Há em mim, como em qualquer gajo que se digne, a piolhosa tendência para a esperança. E eu tenho-a, confesso. Inequivocamente, vive em mim a vontade de crer nestas coisas estapafúrdias e surreais. E é então que, crendo no senhor Flores, crendo na sua indomável tendência para gostar de futebol, eu fico ainda mais descrente, porque se um treinador é capaz de passar ao lado dos discursos bacocos, das invejas mesquinhas e das atitudes desprezíveis e, mesmo assim, mete o Binya a titular, o Amorim a apanhar laranjas na direita do meio-campo, o Cardozo invariavelmente a ouvir anedotas porcas do Martins no banco e acha que o Balboa algum dia será capaz de ser jogador de futebol, eu só posso perder a fé e lançar-me de foguetão rumo ao ateísmo.

Para quando, Flores, a tua revelação? Decide-te, homem: ou falas apenas e só em futebol - o que, enfim, repito, é estranho mas estou disposto a aceitar bizarrias -, mas percebes de futebol ou então metes os jogadores certos nas posições certas e, de tempos a tempos, fazes figura de José Mota*. Se não puseres mais o Binya a titular, sou rapazinho capaz de aceitar de ti um "isto é uma vergonha, fomos escandalosamente roubados", um "temos de levantar a cabeça", ou até um belíssimo "existiram situações neste jogo que deviam ser investigadas".

Não aceito mais do que estas duas possibilidades. Tudo o que sair disto é provocação clara aos benfiquistas e aos outros todos. O mundo da Liga Sagres não está preparado para um homem da tua estirpe, isso é mais do que certo, mas ao Benfica interessa um treinador que, além de gostar de futebol, o saiba compreender. Sem mais floreados.
___________
* para quem não está familiarizado com o termo, e depois de uma investigação aprofundada a todos os dicionários e enciclopédias referentes ao fenómeno futebolístico:
"fazer figura de José Mota" - fazer cara de parvo e de chateado, sem razão aparente; labrego; armar-se em Mourinho com chapéu de trolha e talento de rolha; parolo; dizer mal do Benfica de qualquer forma; não dizer mal do Porto de qualquer jeito; fazer figura de otário.

15 comentários:

LuaSLBENFICA disse...

LOLOLOL Gostei do Glossário hahahahahaha

Saudações Gloriosas****

Maestro disse...

Ninguem é perfeito, nem o mourinho...

gostei da definição do mota.

Pensei o mesmo quando vi as suas declarações no estadio da Luz.

Ele ganhou em alvalade e no dragay, mas na Luz não.

Na Luz quem manda somos nós...ou o metalist

master kodro disse...

Não me parece nada que seja o treinador ideal para o Benfica. Primeiro porque, como defendes, não parece perceber um boi de futebol. Ou aparenta ter muitas dúvidas. Mas disso já lá houve, com o Chalana como expoente máximo. Agora, mesmo grave (para mim, não é grave, mas para quem lhe paga o salário deve ser) é a sua urbanidade absoluta, a destoar do discurso oficial que começa no presidente, rebenta tímpanos quando passa pelo homem da comunicação e até já passa pelas frequentes visitas ao túnel do Rui. Um treinador do Benfica, com a cultura organizacional que é imposta actualmente, tem que ver 3 penalties e 2 agressões bárbaras dos adversários por jogo, nunca esta serenidade e um quase total alheamento às questões de arbitragem (algo que aprecio nele, acrescento).

Ricardo disse...

Saudações, Lua.

"Na Luz quem manda somos nós...ou o metalist"

LOL, Maestro.

Kodro,

Não me parece que haja grandes problemas com a "cultura organizacional" do Benfica. O clube sempre foi bastante democrático, ao contrário de outros mais a norte, em que a política "sit, ubu, sit" sempre foi a forma de controlar e formatar quem por lá trabalha. Aqui, aceitam-se divergentes opiniões.

O que me preocupa é a forma como Quique parece ver futebol, que, na minha opinião, parece ser inundada de autismo. Não que ele não tenha capacidades; aponto mais o dedo à incapacidade que tem demonstrado de não saber ler o futebol português para adaptar a sua equipa às peculiares especificidades desta Liga Sagres.

Catenaccio disse...

O problema do Quique é muito simples - desajustamento entre a abordagem estratégica (mais do que o sistema táctico) e as ambições do clube. Passo a explicar:

Li, algures num jornal espanhol online, que o Quique era (é) um treinador de contra-ataque. Bem, não era preciso ir a Espanha para perceber isso, mas a sua predilecção por um futebol de transições rápidas, muitas vezes directo e baseado na velocidade/profundidade de Suazo, provam essa teoria.

Acontece que o Benfica não é o Valência. Fora os jogos entre os 'grandes' e uma, ou outra, deslocação mais complicada, o Benfica tem de atacar, atacar e atacar. Epá, em ataque organizado. Porque o adversário joga com 8 ou 9 jogadores atrás da linha da bola.

Conclusão: desajustamento. Daí o Benfica demonstrar imensa dificuldade nos jogos na Luz, pelo menos até inaugurar o marcador. Coisa que, na maioria das vezes, acontece depois do intervalo. Quantos jogos é que estiveram embrulhados naquele 0-0 enervante, após os 45 minutos?

Em suma, eu próprio aprecio o Quique, já o escrevi em diversas ocasiões e penso que tem conhecimentos e competência para ser o treinador de uma instituição Gloriosa. Agora, também reconheço que algumas 'teimosias', da sua parte, aliado a problemas na concepção de jogo, fazem com que os adeptos desconfiem das suas capacidades.

Bom texto, já agora :)

Abraço.

Sabino Rui disse...

Não tenho momentaneamente disponibilidade (tempo) para dissecar esta tua incursão.

Li e fiquei maravilhado. Parabéns, está ao teu melhor nível.

mago disse...

Compartilho da tua dúvida (neste momento) existencial: o que pensar de Quique Flores? Parece que o próprio nome ajuda à propensão para esta dicotomia que me atormenta - se por um lado é um "Qui-Qué!", por outro é... Flôres...

Um gajo não aguenta dúvidas destas. O treinador tem de ser alguém que se possa defender até à morte, ou alguém que se esteja disposto a assassinar. Curiosamente, o facto de Quique não ser nenhum destes (ou talvez seja ambos), faz-me acreditar que ele possa vir a ser "the one".

PS - obrigado pela visita ao tasco ;) e esperemos então que o Benfica forneça inspiração suficiente para seguir com esta "segunda vida"...

Ricardo disse...

"Acontece que o Benfica não é o Valência. Fora os jogos entre os 'grandes' e uma, ou outra, deslocação mais complicada, o Benfica tem de atacar, atacar e atacar. Epá, em ataque organizado. Porque o adversário joga com 8 ou 9 jogadores atrás da linha da bola.

Conclusão: desajustamento."

Nem mais, Ricardo. É exactamente essa a questão que preocupa. O Quique parece não entender que, num campeonato como o nosso e num clube como o Benfica, a equipa não pode estar grande parte dos jogos (principalmente fora mas também em casa isso acontece) em posição passiva, à espera de uma oportunidade surgida de uma falta que dê cruzamento para a área ou de uma recuperação de bola e transição rápida para a velocidade de Suazo. O Benfica neste campeonato tem de ser dominador. Isto não quer dizer que ataque estupidamente; quer dizer apenas que deve pressionar e encurralar o adversário às suas linhas defensivas muito mais do que o que tem feito esta época.

Esse desajustamento está à vista de todos há algum tempo. E isto é que é estranho: Quique parece não ver.

Abraço!

Ricardo disse...

Obrigado, Sabino. Quando tiveres tempo, faz o favor de vir cá dar a tua opinião.

Ricardo disse...

"Um gajo não aguenta dúvidas destas. O treinador tem de ser alguém que se possa defender até à morte, ou alguém que se esteja disposto a assassinar."

LOOOOL, Mago! É que é exactamente isso!

"Curiosamente, o facto de Quique não ser nenhum destes (ou talvez seja ambos), faz-me acreditar que ele possa vir a ser "the one"."

Eh pá, Eusébio te oiça, Eusébio te oiça!


PS ao PS- Esperemos que sim. Pelo Benfica e pelo teu blogue! :)

rogerAjacto disse...

Primeiro, gostei muito do texto, como sempre genial...
Depois, acho que encontro no próprio trabalho e comentários exactamente o que penso. Julgo até que não me parece haver discórdias. Todos achamos que este espanhol tem qualquer coisa de estranho, alienígena mesmo. Há uma desadequação dos seus comportamentos à realidade que estamos habituados a ver no futebol português. Agora, a pergunta será: é ele que está errado? A resposta, desconfio que só a saberemos no final do campeonato. Se ganharmos, vamos até ficar orgulhosos do nosso treinadorzinho-todo-bonitinho-e-polido-que-nunca-partiu-um-copo-e-mesmo-assim-ganhou-esta-merda. Se perdermos, e pior, se não formos à champios, vamos dizer: "este cabrão nunca me enganou, sempre disse que com um gajo com aqueles tiques apanleirados, todo arranjadinho e que não diz mal dos árbitros não íamos a lado nenhum."
Enfim, é a sina de quem está na berlinda e tem seis milhões (ou mais) à perna, prontos a cortar a corda ou a carregá-lo em ombros...

Abraços

Ricardo disse...

LOL

Muito bom, Roger!

Nem mais:)

Abraço!

Anónimo disse...

Roger, afinal de contas parece que não são assim tantos... De maior clube do mundo, parece que são pouco mais que o clube de bairro que tem mais títulos internacionais que vocês (http://www.record.pt/noticia.aspx?id=a7cb9275-80e8-49a8-a09c-63f34c61c45b&idCanal=00000011-0000-0000-0000-000000000011)

Não sei...

Que dizem??!?

Bruno Pinto disse...

"O clube sempre foi bastante democrático, ao contrário de outros mais a norte, em que a política "sit, ubu, sit" sempre foi a forma de controlar e formatar quem por lá trabalha. Aqui, aceitam-se divergentes opiniões."

Esta mania de se dizer que o Benfica é um clube democrático, mais que os outros, causa-me boa disposição. O que é isso de ser um clube democrático? É cada um dizer o que lhe apetece, o que lhe dá na gana? É o LFV insinuar (ou dizer, já não me lembro) que Lisandro tem de ser castigado e o Quique no mesmo dia desculpabilizar o avançado portista, dizendo que também simulou muitas faltas enquanto jogador? Isto é ser democrático? Ou é ser burrinho? E eu que pensei que dentro das estruturas, das organizações, é crucial haver convergência de actuação, de discurso, de comportamento... Se calhar, é por ser menos 'democrático' que o clube mais a norte ganha mais vezes. Muitos e bons anos para a anarquia na Luz.

Uma definição para Katsouranis, que é apologista de anti-jogo quando está à rasca; e outra para João Ferreira, o 'pode ser o João', também vinham a calhar. Já agora, alguém que diga aos homens do apito deste país que a cabeça dos jogadores que defrontam o Benfica não é a mão, é mesmo a cabeça!

Anónimo disse...

Alguém quer comentar o meu último comment ou querem sacudir para o lado???

Roger? Silvas? Sérgio regressado?